Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Abril de 2024

Repercussão! Magistrado faz sentença em linguagem coloquial para combater 'juridiquês'

há 7 anos

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

Ainda na faculdade, ouvia alguns professores dizendo que, nós, futuros advogados, juízes e promotores, deveríamos descomplicar o Direito, inclusive, no que diz respeito à linguagem. Guardei isso comigo.

Vejo profissionais do Direito que, ao explicarem a situação aos clientes, dizem mais ou menos assim:

"A tutela não fora deferida pelo magistrado pelo fato de não termos conseguido demonstrar o fumus boni iuris e o periculum in mora. Entretanto, a meu ver, considerando a jurisprudência, lograremos êxito no final da demanda".

Ora, de que vale uma informação dessas para alguém que não conhece (e nem tem a obrigação de conhecer) o Direito? Nada!

Hoje, como advogado, procuro lembrar-me dos ensinamentos dos meus professores e"traduzir"a linguagem técnica forense para os meus clientes, a fim de ganhar a fidelidade deles fazendo com que entendam, na medida do possível, tudo o que está acontecendo no processo, ao invés de tentar prendê-los a mim utilizando-me de meia dúzia de jargões jurídicos.

Estudos científicos mostram que falar difícil não demonstra inteligência. Muito pelo contrário. A ciência afirma que as pessoas se mostram inteligentes quando conseguem tornar cristalino aquilo que é complexo.

Há ocasiões, é claro, nas quais a linguagem técnica deve ser utilizada, contudo, vale frisar que o bom advogado não procura"prender"seus clientes a ele, mas sim prestar o melhor serviço, com honestidade, e os clientes, certamente, permanecerão fiéis ao escritório.

Um grande abraço.

Deus o abençoe.

Viste um homem diligente na sua obra? Perante reis será posto; não será posto perante os de baixa sorte. (Provérbios 22.29).


VEJA UM GRANDE EXEMPLO DE SIMPLICIDADE:

Repercusso Magistrado faz sentena em linguagem coloquial para combater juridiqus

O mundo das leis não precisa ser um universo indecifrável. Para provar isso, um magistrado gaúcho redigiu uma sentença trocando o tom pomposo do Direito pela linguagem do dia a dia. O resultado foi um texto de fácil compreensão e uma repercussão maior do que ele imaginava: virou notícia no meio jurídico — e fora dele.

A ideia surgiu quando João Batista de Matos Danda, então juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, viu-se completamente perdido em uma conversa com a filha. Por mensagem, a jovem contava sobre um novo emprego, na área do marketing.

— Ela escreveu expressões como"startup", "incubada", "transmídia", "DNA de marca". Aí, eu perguntei:"minha filha, o que tu estás falando exatamente? Traduz, por favor"— conta Danda, ainda achando graça do papo que não lhe fez sentido.

Ao se dar conta de que a linguagem técnica acaba restringindo o entendimento a poucos, geralmente aqueles que trabalham na mesma área, o juiz, então, se propôs ser mais claro em suas decisões — desafio que levou com certo exagero em abril passado, quando foi relator no processo em que o pedreiro Lucas de Oliveira pedia vínculo de emprego e indenização por danos morais, após sofrer acidente em uma obra particular, de propriedade de Itamar Carboni.

Danda foi direto na explicação do rolo."Três meses depois de iniciada a obra, o pedreiro caiu da sacada, um pouco por falta de sorte, outro pouco por falta de cuidado, porque ele não tinha e não usava equipamento de proteção. Ele, Itamar, ficou com pena e acabou pagando até o serviço que o operário ainda não tinha terminado", disse o juiz na sentença.

Lá pelas tantas do acórdão, ao falar do processo de revisão da sentença, o magistrado soltou essa:"para julgar de novo, vou ler as declarações de todos mais uma vez e olhar os documentos. Pode ser que me convença do contrário. Mas pode ser que não. Vamos ver".

É um texto tão coloquial que parece não ter nada de mais, certo? Errado. O próprio juiz conta como normalmente essa ideia seria escrita, em um processo"normal":

— Inconformado com a sentença, que julgou improcedente a ação, recorre o reclamante buscando sua reforma quanto ao vínculo de emprego e indenização por acidente de trabalho. Com contrarrazões sobem os autos a este tribunal. É o relatório. Passo a decidir.

Na decisão, Danda defendeu que não havia vínculo de emprego na situação, mas que isso não impedia o trabalhador de receber indenização por danos morais. A reparação, segundo o juiz, "serve para amenizar um pouco o sofrimento de Lucas, mas também serve para Itamar lembrar que tem obrigação de cuidar da segurança daqueles que trabalham na sua casa, mesmo quando não são empregados".

Leia a íntegra da sentença do juiz Danda

Ponderou ainda que o valor da indenização"não pode ser tão pesado que vire um inferno para seu Itamar pagar; nem muito pouco, porque aí ele paga sem problemas e não se importa se amanhã ou depois outro acidente acontece em sua casa".

Por outro lado, esclareceu Danda, o pedreiro"não pode pretender ficar rico com a tragédia; mas também o dinheiro tem que fazer alguma diferença na sua vida". Então fixou o pagamento de R$ 7 mil, além da pensão mensal vitalícia de R$ 281,25.

Nesta semana, Danda foi empossado desembargador. Segundo ele, a tentativa de simplificar as decisões deve continuar, agora, no novo posto:

— Na maioria das vezes, é difícil fugir dos jargões, mas é uma tendência fazer sentenças mais claras. Sem perder a precisão técnica, claro.


"Rebimbocas da parafuseta"também aparecem em outras áreas

Falar difícil não é exclusividade do Direito. Cada área do conhecimento, aliás, tem a sua linguagem própria, seus termos técnicos. Quem é que nunca ficou com um ponto de interrogação na testa ouvindo mediquês, academiquês, economês..? É complicado.

Sem dúvida. Mas pode ser útil. Para Pedro Garcez, professor de linguística na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pode ser uma estratégia que agiliza a comunicação dentro de um grupo. Vale ressaltar: dentro de um grupo.

— Há boas razões para existirem linguagens especializadas. É uma facilitação para quem está cotidianamente trabalhando determinado discurso. Mas há textos que, mesmo vindos de uma área técnica, deveriam ser compreensíveis ao grande público — pondera.

Como exemplo, o professor cita os termos de consentimento (documento assinado pelo paciente, autorizando o médico a realizar determinado procedimento). Uma pesquisa da Bioética, realizada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, mostrou que para compreender os documentos era necessário ter mais de 11 anos de escolaridade — sendo que a média de tempo de estudo dos atendidos na instituição era de seis anos.

Para superar o problema, foram criados manuais que ajudam a redigir os termos de um jeito mais simples. Assim, dispepsia virou má digestão — bem mais fácil de engolir. O mesmo ocorreu com as bulas, que por determinação de uma lei, tornaram-se mais compreensíveis.

Só que falar difícil também pode ser um propósito, principalmente quando se deseja passar seriedade. A história conta que Freud passou um perrengue por causa disso. O criador da psicanálise teria escrito seus trabalhos em alemão coloquial, com o objetivo de torná-los um conhecimento popular.

Quando seus estudos chegaram aos Estados Unidos, no entanto, foram traduzidos em conceitos mais fechados, que dariam uma aparência mais científica. Freud ficou um pouco mais difícil por isso. Como linguagem é poder, um repertório mais empolado pode selecionar um público e tornar outro refém.

— Uma das grandes funções é impedir que o leigo tenha acesso a um conhecimento. Se eu levar meu carro no mecânico, e ele me disser que tem de trocar a rebimboca da parafuseta, não vou entender nada. E ele pode até me cobrar mais caro, porque eu não sei do que se trata — exemplifica Patrícia Reuillard, professora da UFRGS que atua na área de terminologia.

Ficou claro?


Fonte: Amo Direito

  • Sobre o autorAdvogado e consultor jurídico
  • Publicações148
  • Seguidores177
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações1245
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/repercussao-magistrado-faz-sentenca-em-linguagem-coloquial-para-combater-juridiques/408498443

Informações relacionadas

Tagore Fróes, Relações Públicas
Artigoshá 9 anos

Juridiquês faz sentido!

Shankar Cabus, Analista de Desenvolvimento de Sistemas
Artigoshá 9 anos

Juridiquês faz sentido?

Anderson Almeida, Físico
Notíciashá 10 anos

Termos rebuscados atrapalham a compreensão de sentenças judiciais e textos do Direito

Bruno Fernandes da Silva, Advogado
Artigoshá 2 anos

Explicando Juridiquês e as expressões mais usadas

Juiz dá sentença em versos em Divinópolis

10 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Desculpe-me a Professora Patrícia Reuillard, mas depois de o mecânico carregar seu carro, ele nem irá saber o próprio nome, de tão cansado, quanto mais falar em " rebimboca da parafuseta".
Leva-se o carro AO MECÂNICO E não NO MECÂNICO.
Regência tradicional. Dentro do contexto mencionado aqui, até que é aceitável..... continuar lendo

Selme,

Agradeço por seu comentário.

Um abraço.

Fique com Deus. continuar lendo

A linguagem serve como elemento de dominação e, também, ideológico.

A linguagem em tom coloquial não é conveniente em um país no qual predomina o "jeitinho". continuar lendo

Marcel,

Agradeço por seu comentário.

Abraços.

Deus o abençoe. continuar lendo

Há a constante tentativa de se nivelar por baixo o nível do português no Brasil. As reformas ortográficas e a pedagogia do oprimido são exemplos de que há a tendência de rebaixar toda a linguagem, ao invés de proporcionar meios de tornar o povo mais educado.

Nos EUA lê-se Dickens desde o primário, aqui já não há universitário capaz de entender um Camilo Castelo Branco ou Machado de Assis. Triste sinal dos tempos. continuar lendo

Marcio,

Agradeço por seu comentário.

Um grande abraço.

Fique com Deus. continuar lendo

Não há nada demais usar a norma culta. Porém, já dizia Darcy Ribeiro, na década de 1980, que diploma serviria para ser pendurado na parede — pela má qualidade no ensino. Porém, não menos importante, o preconceito linguístico — recomendo leitura, para quem não leu, da obra Preconceito linguístico
o que é, como se faz, de Marcos Bagno; o qual já citei em um dos meus artigos — brasileiro.

Em muitos casos vejo mais narcisismo intelectualizado do que real ato de solidariedade. Não é incomum, e já presenciei nos meus anos de estudos, preconceitos descabidos. Por exemplo, dentre minhas profissões, quando eu cursava técnico em edificações — e que mudança para a atualidade rss — minha professora achou 'feito' quando eu disse 'botar' [referente ao cálculo de resistência de materiais]. "Diga colocar, que é mais sutil", disse. Como assim, pensei. Eis um bom exemplo do preconceito linguístico.

Parabenizo o magistrado. continuar lendo

Sérgio, belo e coerente comentário.

Obrigado por contribuir.

Um abraço.

Deus o abençoe. continuar lendo